“Partimos de uma analogia razoável, aparentemente, entre um tratamento analítico e uma leitura. Lemos, em análise, alguma coisa que estaria em nós e que poderia ser aproximada de uma escrita. Essa escrita, porém, pode ser lida ou tomada de várias maneiras, dependendo do modo como consideramos seu elemento de base, a letra.
Uma delas é ler como quem lê um jornal e descobre coisas que aconteceram. Coisas foram feitas conosco e entendemos seu sentido ou buscamos esse sentido. Esse modo de leitura está no plano do significado.
Podemos também tomar a leitura como compilação de marcas deixadas pelas experiências da vida. Estão registradas, mas não dizem nada em si. Apenas encadeadas entre elas e articuladas ao que possamos pensar e entender, refletir sobre essa montagem, ganham sentido. Neste plano de leitura, estamos referidos ao que Lacan chamou de significante. São como elementos de composição de uma cena. Ela tem sentido, eles, não.
Sendo bem esquemáticos, podemos distinguir, na experiência de uma análise, ainda, um terceiro plano. Nada fácil nos deslocarmos nele, porque escapa ao entendimento, enquanto os dois anteriores, não. É como se tomássemos as marcas já como entrelaçadas, de alguma maneira, definindo algumas possibilidades e outras não, mas sem que isso tenha relação com o sentido. Para esse plano menos intuitivo e um pouco movediço, Lacan se engajou na manipulação dos nós e reservou a metáfora do litoral.
Esse plano se refere a coisas que não conseguimos dizer muito bem, mas conseguimos, às vezes, nomear e, com isso, assentam uma parte de nosso ser. Nosso real sempre nos escapará, mas o assentamento que essas nomeações produzem vai sendo um chão para se pisar.”